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Sustento Speak-easy

Semana passada eu marquei meu horário no salão pelo WhatsApp como de costume e, quando o dia chegou, lá fui eu alegre e contente. Estacionei meu carro, algo que já achei estranho pois eu nunca encontro vaga. Enquanto rodeava o bloco vi todas as lojas fechadas, vi algumas placas de aluga-se/passo ponto, vi um bar de décadas falido, aquilo foi me abalando.

Quando finalmente cheguei na porta do salão percebi que estava com uma plaquinha discreta que dizia “fechado”. Avistei um moço uniformizado vindo em minha direção, me olhando com uma cara desconfiada. “Eu hein…”pensei, e segui reto. Liguei para o salão e falei para a dona que eu estava na porta, foi então que descobri que o salão estava funcionando clandestinamente com uma cliente por vez.

Eu achei genial, todos de máscara, seguindo os padrões de higiene de sempre, e fiz minha mão e minha escova. Enquanto o secador berrava na minha cabeça vários pensamentos foram pipocando, um deles foi: se ela não tiver clientes, ela não fatura, se ela não faturar ela não “contribui" (paga imposto) e, numa escala ínfima, se ela não paga imposto o fiscal não tem emprego. Pensei nesse loop em escalas maiores, e maiores, e fui parar até na crise do subprime. O bom ‘overthinker’ vai me entender.

Já que o pensamento estava nos EUA eu me lembrei da época dos famosos ‘speak-easy’, que eram lojas que vendiam álcool sem licença para tal, ou durante a época da proibição, lojas que tinham um espaço escondido no subsolo ou nos fundos onde o jazz tocava e o álcool circulava solto.

O termo ‘speak-easy’ traduzido literalmente é “falar fácil”, mas significa falar baixo. Dizem que o termo surgiu antes mesmo da época de proibição, que foi de 1920-1933. Diz a lenda que o termo surgiu em McKeesport, Pennsylvania, com a Kate Hester, uma americana que tocava um bar que vendia álcool ilegalmente, e ela tinha que ficar falando para os clientes falarem baixo, ou em outro sentido, não falarem em voz alta sobre o bar, para não chamar atenção das autoridades.

A escova deslizando no meu cabelo e mais uma memória me veio a cabeça, de quando eu estava na Universidade de Brasília e frequentava todos, ou quase todos os happy hours do campus quando um belo dia o reitor proibiu a venda de álcool no perímetro da universidade. Fiquei hashtag chateada mas na mesma semana fui chamada para ir numa festa lá, curiosa e festeira que sou eu fui. Chegando lá eu vi que o menu era de balinhas, uma sete belo era oito reais, um pirulito era doze…

“QUE? Oito reais numa balinha?” Exclamei.

A menina do caixa respondeu com uma cara risonha “Sim, você compra uma sete belo e ganha uma cerveja de brinde…”

Eu sorri, e mais uma vez achei genial. Eles não estavam burlando a lei, não estavam vendendo álcool no campus, eles estavam “dando de brinde”.

Enquanto eu pagava a conta eu fiquei me perguntando na grande rede formada por fornecedores, distribuidores e prestadores de serviço/comerciante de produtos e cheguei a conclusão que todo serviço é essencial de alguma forma.

Então longe de mim julgar quem está de pé sustentando a sí próprio, seus funcionários e por tabela sustentando o país clandestinamente. Eu sei que o problema pandêmico é grave, mas jogar o problema econômico embaixo do tapete pra ver a sujeira só depois não me parece uma boa ideia.

Ah me desculpem admirar a natureza rebelde do ser humano, alguns hipócritas vão condenar e apontar dedo, mas quando foi a última vez que fizemos algo sem julgamento?

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