Espumante, sandália e borboleta
- Laura Valadao
- 31 de jul. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 1 de ago. de 2020
Ela fechou a porta e, como alguém que estava segurando a respiração embaixo d’água, soltou o ar que estava segurando desde o ocorrido. “O que eu fiz?” Ela pensou enquanto tirava as sandálias, respirando ofegantemente, “será que eu coloco fogo em tudo?” se perguntou. Com as sandálias na mão ela procurou em sua cozinha por algum objeto de metal, algo parecido com um balde onde ela pudesse colocar seu vestido, sandália e bolsa. Ela abriu todos os armários da cozinha mas o máximo que encontrou foi uma saladeira de aço, mas não seria grande o suficiente. “Pensa, Teresa, pensa” falou enquanto batia as mãos ensangüentadas na testa sem nem perceber. Ao afastar as mãos do rosto lentamente ela finalmente viu o estado em que suas mãos estavam. O sangue estava em toda sua mão, embaixo das unhas, e em sua maioria já estava quase seco mas a parte ainda molhada tocou sua testa. Ela largou a sandália no chão e foi correndo pro lavabo. Quando ligou a luz ela conseguiu ver seu reflexo e ao mesmo tempo que ficou com medo ela ficou orgulhosa que até encheu o peito de ar e arrumou sua postura. Ela estava com um vestido de alcinha fina de seda prateado que ia até a altura dos joelhos, “merda eu amava esse vestido…” pensou “será que eu tenho mesmo que queimar ele?”. Enquanto pensava no destino do vestido ela passava a mão no tecido de seda natural em um ritual de despedida. Ela voltou a olhar seu reflexo. Teresa era uma mulher linda, cabelos escuros com nuances loiras e olhos cor de mel, o formato de seu rosto era quadrado e a linha do queixo bem marcada, o que passava um ar de seriedade quando ela não estava sorrindo. Quando sorria, e isso era usual, ela exibia seus dentes alinhados de nascença, Teresa tinha orgulho de nunca ter usado aparelho e era obcecada com cuidados bucais. Nessa noite seu cabelo estava partido ao meio bem colado na cabeça e colocado pra trás das orelhas. O brinco que ela estava usando eram pendentes com uma pérola do tamanho de uma bola de gude no extremo. Ela se inclinou mais pra perto do espelho e quando chegou bem perto viu que a pérola do brinco direito estava quase toda coberta de sangue seco. “Merda..o brinco não…” pensou, enquanto ligava a torneira pra lavar as mãos e a testa. Ela esfregou tanto as mão e os dedos que quando terminou, alguns longos minutos depois, sua mão estava vermelha. Ela pegou a toalha pra secar e enquanto secava as mãos ela exclamou “a champanheira!”. Largou a toalha na pia e foi até a rouparia que ficava perto do seu quarto. Ela abriu a porta e alí estava entre pratos, taças e sous plats, uma champanheira de aço que era grande o suficiente pra caber tudo que ela deveria queimar. Ela a tirou da rouparia e voltou pra cozinha, no caminho ela olhou de relance para a janela “ainda está escuro, deve ser umas quatro da madrugada” e assim que pensou olhou para o relógio de parede da cozinha. “YES! Acertei…”. Teresa tinha manias estranhas, e essa era uma delas, obsessão por saber qual hora do dia era apenas olhando pela janela. Na cozinha ela colocou a champanheira no chão e tirou seu vestido com muito remorso de ter que queimá-lo e o colocou dentro da champanheira quase que em câmera lenta. Em seguida pegou as sandálias que estava no chão e levantou o par até a altura dos olhos fitando-os enquanto pensava “por que eu escolhi esse look para esse dia…por que?”. A sandália era de couro prateado simples com uma fina faixa que segurava os dedos e outra o calcanhar, o salto era médio e fino com uma pérola grande na ponta. Era realmente uma sandália linda. Ela girava o par e olhava cautelosamente procurando algum sinal de sangue, não tinha nada, “mas e se procurarem a marca da sola da cena do crime hmm dona Teresa? E você estiver com essa beleza no seu armário, o que você acha que a polícia vai achar…” era o que passava em sua mente. “RRrrr que merda” falou em voz alta colocando a sandália e agora a bolsa dentro da champanheira. Ela abriu o armário debaixo da pia e pegou o litro de álcool que tinha alí e jogou em seus pertences molhando tudo. Ela ia acender o fósforo quando de repente parou e lembrou de seu celular e carteira que estavam dentro da bolsa. “AI!!” Exclamou quando o fogo do fósforo chegou a queimar a ponta de seus dedos. Ela jogou o palito queimado fora e pegou a bolsa. Era uma clutch preta de couro metalassê com fecho prateado. Ela abriu e pegou seu porta cartões e celular, os colocou no balcão, em seguida deu mais uma olhada dentro pra conferir e encontrou um grampo de cabelo com uma borboleta prateada na ponta. Ela pegou o grampo na mão e fechou os olhos. Um flash de memórias veio passando em sua mente: ela com dez anos indo para a festa de fim de ano na mansão do amigo do seu pai, o amigo do seu pai a presenteando com o grampo de prata, a levando pra escola quando era adolescente, a levando para festas, morto… Ela abriu os olhos de repente e fixou o olhar no grampo que cautelosamente colocou em cima do vestido. Ela encharcou todos os pertences com o álcool, e agora sim ascendeu o fósforo e o jogou na champanheira. Ela ficou alí de calcinha, sutiã,e brincos na cozinha contemplando o fogo, e sentindo seu calor. “Foi perfeito” pensava enquanto via seus pertences que tinham sido presente sendo consumidos pelo fogo. “Vai pro inferno, de onde você saiu…”
Ela ficou alí assistindo até que tudo virasse cinza, até o sol começar a sair no horizonte. Ela reparou sua cozinha clarear, e o fogo sumir. Pegou uma jarra de água e jogou dentro da champanheira fazendo subir uma fumaça com gosto de vingança. Ela pegou a champanheira que ainda estava quente e a chacoalhou de maneira que a água percorresse toda a parede de metal da champanheira. Ela ouviu um barulho de metal contra metal e foi quando colocou sua mão na água preta pra pegar o objeto que estava fazendo o barulho. Tudo que tinha sedimentando, o fecho da bolsa e o grampo de prata um pouco deformado. Ela jogou os objetos na pia e foi pro lavabo jogar a água de cinzas no vazo. Voltou pra cozinha e lavou a champanheira freneticamente e até a lustrou antes de guarda-lá de volta na rouparia. Teresa tomou banho onde lavou os brincos com uma escova de dente, colocou seu pijama preto de seda. Foi do quarto até a cozinha arrumando tudo em sua casa para que tudo ficasse impecável, tudo em seu devido lugar e ângulo. Depois de olhar ao seu redor e ver tudo limpo e guardado, Teresa pegou uma garrafa de espumante na geladeira que estava sendo guardada para essa ocasião. Ela a abriu, se serviu uma generosa taça, e foi para a varanda assistir o sol nascer. Ao se sentar na cadeira e se deliciar com um gole de espumante, ela finalmente relaxou os ombros, a coluna e se sentiu acolhida pela cadeira. O sol começou a esquentar seu rosto e foi quando ela ouviu “PEEHHHHH" um barulho agudo estava acabando com seu momento de paz e deleite.
“POLÍCIA!” Gritaram do lado de fora da porta.
😍 Obrigada!! Estou ensaiando a escrita ainda, mas esse comentário foi tudo pra mim! Obrigada 🥰😘
Você deveria escrever um livro de contos! Com três simples elementos a estória que surgiu foi arrepiante. Bate até uma curiosade pra saber em detalhes como foi o crime e qual a motivação da Teresa para isso. Amei!